18 de jun. de 2010

Toy Story 3: nossos brinquedos, nossa história

15 anos atrás, quando Toy Story estreou, o impacto de seu benchmark tecnológico – primeiro longa de animação inteiramente criado por computador – obscureceu o que viria a ser o real trunfo de seus criadores, a Pixar: o extraordinário poder de sua narrativa. Na década e meia que se seguiu, a animação digital multiplicou-se em dezenas de concorrentes, na proporção em que a tecnologia tornou-se mais simples, eficiente, acessível e barata. E no entanto muito pouco dessa concorrência chegou a fazer séria ameaça ao domínio da Pixar no setor. Seu diferencial não é a tecnologia, é a história. Não a forma, mas o conteúdo. Não a eficiência, mas a imaginação.

E assim, 15 anos, muitos recordes de bilheteria e prêmios depois, o ciclo iniciado pelos pioneiros Woody (voz original de Tom Hanks) e Buzz (voz original de Tim Allen) chega ao final. Justo no momento em que a Pixar está em seu apogeu como força de mercado e a animação digital vive um momento de glória graças ao apetite das platéias pela experiência 3D – uma consequência natural da hegemonia estética de games e animação digital.

O primeiro episódio da trilogia era inspirado em lembranças da infância de John Lasseter , então dando seus primeiros passos autônomos depois de anos na animação da Disney, recrutado com uma turma de formados da universidade Cal Arts que também incluía Tim Burton e Brad Bird. Lasseter é o típico baby boomer, a geração da prosperidade pós-guerra, primeira criada à luz da TV mas ainda entretida com brinquedos artesanais herdados de seus pais. A genialidade do primeiro Toy Story era retomar o dilema original de Lasseter e sua geração e torná-la interessante para pais e filhos de outros tempos. A oposição entre o brinquedo “antigo”, representado por Woody, uma marionete típica dos anos 40 e semelhante a um brinquedo que Lasseter tivera na infância, e o brinquedo “moderno”, transformado de um GI Joe (que era o brinquedo original de Lasseter) em um astronauta cheio de comandos automáticos, típico do final do século 20, era ao mesmo tempo uma lembrança gostosa para os pais e um dilema real para a garotada que tambem continuava herdando “velharias”.

A oposição também revelava o tema mais profundo, constante e importante do que viria a ser a trilogia: o poder do tempo. Brinquedos são objetos de grande carga emocional que, desde o começo, são destinados à destruição ou abandono, feitos para marcar etapas na vida de uma pessoa e descartados assim que não atendem mais à curiosidade e à inteligência. 


O tema da natural obsolescência do brinquedo – e o quanto ela marca a passagem de tempo na vida de cada pessoa – foi aprofundado em Toy Story 2, dirigido por Lasseter em 1999. A boneca Jessie (voz original de Joan Cusack), possivelmente contemporânea do cowboy Woody, era resgatada depois de um longo exílio no terrível limbo do depósito, transição inevitável para o brinquedo ainda íntegro mas não mais privilegiado pela atenção de uma criança que se tornou adulto.

Toy Story 3, que estréia hoje em todo o mundo, encara o tema de frente. Dirigido por Lee Unkrich (que co-dirigiu Toy Story 2) TS3 coloca todo o universo dos brinquedos apresentados nos filmes anteriores na encruzilhada fatal de suas breves existências: Andy, o dono dos brinquedos, está agora com 18 anos , completamente desinteressado por qualquer coisa além de meninas, videogames e a iminente ida para a universidade. Que destino terão suas antigas preciosidades?

A platéia infantil que amou o primeiro Toy Story tem, agora, uma idade semelhante à de Andy. Seus pais continuam com as mesmas lembranças, e há uma nova geração inteiramemte à vontade com o 3D (TS3 é em ótimo 3D) para apreciar o frenético ritmo das perseguições e fugas que ocupam o segundo ato da trama, quando os brinquedos vão parar numa creche eTS3 assume um tom divertidíssimo, parte videogame, parte filme noir de prisão. Há um urso de pelúcia mal intencionado, um boneco-bebê sinistríssimo e o obrigatório casal Ken e Barbie, absolutamente metrossexual.

Mas tudo isso são mecanismos narrativos para impulsionar a história para seus gloriosos 10 últimos minutos, quando os temas de perda, afeto, vida, morte e o inevitável rio do tempo são resumidos com todo o poder metafórico do bom cinema – cada pessoa na platéia, independente de idade, encontra um ponto de contato com o que vê, e ali coloca sua alma e sua experiência. Ou melhor: ali somos todos crianças, em momentos diferentes de nossas trajetórias.

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